Capítulo 2
II - História do Caraísmo
O Caraísmo existe desde que Deus deu suas leis ao Povo Judeu. No princípio aqueles que seguiam as leis de YHWH foram chamados simplesmente "Justos" e somente no 9º século D.C. que eles foram chamados de Caraítas. A pergunta sobre o motivo por que os seguidores de Deus são chamados hoje de Caraítas realmente é uma questão relacionada com a origem das demais seitas. No inicio não existia nenhuma razão para etiquetar de seita separada aos "Justos" porque tão somente havia uma seita que consistia em todo o Povo Judeu. Ao longo da história, os "Justos" assumiram diversos nomes tais como Saduceus, Betusianos, Ananitas, e Caraítas, para assim se distinguir das distintas seitas que iam aparecendo.
Período Bíblico – Os Justos
No Período Bíblico o povo é descrito como pertencendo a duas categorias: os pecadores e os justos. Freqüentemente falsos profetas que afirmavam serem portadores de uma mensagem de Deus conduziram o povo ao pecado. Em alguns períodos, a maioria de Israel seguiu estes profetas falsos e aqueles que permaneciam fieis a YHWH não foram senão uns poucos (por exemplo, Elias no Monte Carmelo). Deus enviou seus profetas "desde a manhã até a tarde" chamando o povo ao arrependimento, mas muito freqüentemente somente castigando a nação com uma grande calamidade YHWH conseguia que escutassem. Grande parte da história Bíblica é uma repetição do familiar ciclo de pecado, castigo, arrependimento e resgate.
Segundo período do Templo - Os Saduceus e Betusianos
A primeira referencia na história de Israel a mais de uma seita ocorreu uns 200 anos depois do fim do período Bíblico, no primeiro século a.C. Varias fontes nos falam de duas seitas contrárias, os Saduceus (Zadokitas) e os Fariseus. Os Saduceus seguiam a Torah tal como foi escrita enquanto que os Fariseus acreditavam em uma segunda "Torah Oral" que eles acrescentaram à escrita. O Segundo período do Templo viu o surgimento de várias seitas além das existentes, entre elas outro grupo que somente seguia a Torah escrita, os chamados Betusianos e uma seita chamada os Essênios que acrescentou vários livros a Bíblia (também conhecida por a "Seita" do Mar Morto).
Como os Caraítas, aqueles que os seguiram, os Saduceus e os Betusianos continuaram a tradição, originada por Moisés, de guardar os mandamentos da Torah sem acréscimos (Deuteronômio 4:2). Constantemente vemos na literatura antiga que os Saduceus negavam as doutrinas da imortalidade da alma e do premio e castigo na "outra vida". Se isto é verdade ou não é de pouca transcendência já que eles chegaram até estas crenças baseados em uma interpretação honrada da Bíblia (inclusive quando a maioria dos Caraítas discorda deles nestas doutrinas). Por outro lado, os Fariseus acreditavam que a interpretação de um mestre em particular era divina e elevaram estes ensinamentos ao nível da mesma Torah. Com o passar do tempo esta doutrina foi se expandindo e os Fariseus afirmaram que estes ensinamentos tinham sua origem no próprio Deus sob a forma de uma segunda, "Torah Oral". Inclusive foram tão longe que até garantir que quando dois mestres ensinavam interpretações da Bíblia diametralmente opostas, ambas as interpretações eram de Deus.*1 A terceira seita maior, os Essênios, tinha uma Bíblia que abrangia mais do que nossos 24 Livros e como resultado tinham práticas alheias a nossa Bíblia, práticas tais como um calendário solar.
Quanto tempo estas três seitas continuaram coexistindo é desconhecido. Constantemente se pensa que os Essênios e os Saduceus deixaram de existir com a destruição do Templo no ano 70 d.C. Todavia isto parece improvável já que as escrituras dos Essênios aparecem tão tarde como no 10°século, o que parece indicar que sobreviveram muito depois da destruição do Templo. As referências aos Saduceus e os Betusianos continuaram aparecendo na literatura posterior ao ano70 d.C., eles também parecem ter sobrevivido durante algum tempo.
Idade Média - Os Ananitas e os Caraítas
No início da Idade Média, os Fariseus continuaram crescendo. Começaram a se chamar Rabinos e somente usavam o nome Fariseus ao recordar eventos históricos do período do Segundo Templo. No 7º século, o Império islâmico invadiu o Oriente Médio. Os muçulmanos não tinham interesse em impor a prática religiosa islâmica aos Judeus e deram para eles certo grau de autonomia sob um sistema conhecido como o Exilarcado. O Exilarcado tinha sido fundado centenas de anos antes sob o governo Sassânida, mas até o momento só tinha influencia na Babilônia e Pérsia. De um dia para outro os Rabanitas deixaram de ser um fenômeno Babilônico localizado a um poder político que se expandiu ao longo de grande parte do Oriente Médio. Dos séculos 3º ao 5º os Rabanitas Babilônicos desenvolveram um corpo de lei religiosa conhecido como o Talmude Babilônico que impuseram a cada Judeu no Império.
A resistência aos Rabanitas foi feroz, sobretudo nas províncias orientais do Império, inclusive naquelas que nunca haviam ouvido falar do Talmude. Os relatos dos historiadores nos falam de líderes Judeus cuja resistência contra o Talmude pôs eles em conflito direto com o governo islâmico que tinha autorizado aos Rabinos e tinha lhes dado autoridade sobre outros Judeus. Um líder da resistência que se negou a aceitar o Talmude foi chamado Abu Isa al-Isphahani, de quem se diz que conduziu um exército de Judeus contra o governo muçulmano. Outras tentativas de descartar o Talmude também se empreenderam, mas todas falharam e os Rabanitas e seu Talmude pareciam imbatíveis.
Então no 8º século um último vislumbre de esperança apareceu em forma de um sutil líder chamado Anan ben David. Anan organizou vários elementos anti-Talmúdicos e pressionou ao Califado muçulmano para que estabelecessem um segundo Exilarcado para aqueles que rejeitavam o Talmude. Os muçulmanos concederam para Anan e para seus seguidores a liberdade religiosa para praticar o Judaísmo de sua própria forma. Anan reuniu um grande grupo de seguidores que chegaram a ser conhecidos como os Ananitas. Algum tempo depois da morte de Anan seus seguidores se uniram a outros grupos que professavam a fé só no Tanach e assumiram o nome dos "Seguidores da Bíblia" ou em Hebraico "Bnei Mikra". Posteriormente "Bnei Mikra" foi abreviado para "Karaim" ou em português "Caraítas".